FILOSOFAR É APRENDER A MORRER...
Michel de Montaigne
Diz Cícero que filosofar não é outra coisa senão preparar-se para a
morte. Isso, talvez, porque o estudo e a contemplação tiram a alma para
fora de nós, separam-na do corpo, o que, em suma, se assemelha à morte e
constitui como que um aprendizado em vista dela. Ou então é porque, de
toda sabedoria e inteligência, resulta finalmente que aprendemos a não
ter receio de morrer. Em verdade, ou nossa razão falha ou seu objetivo
único deve ser a nossa própria satisfação, e seu trabalho tender para
que vivamos bem, e com alegria, como recomenda a Sagrada Escritura
[Eclesiastes 3,12:“Então compreendi que não existe para o homem nada
melhor do que se alegrar e agir bem durante a vida”].
Todas as opiniões
propõem que o prazer é a meta da vida, mas diferem no que concerne aos
meios de atingir o alvo. E, se assim não fosse, as repeliríamos de
imediato, pois quem daria ouvido a alguém que apontasse a pena e o
sofrimento como os objetivos da existência? A esse respeito, as
dissensões entre seitas filosóficas são puro palavrório: “deixemos de
lado essas sutilezas” (Sêneca); em tais discussões entra mais obstinação
e picuinha do que convém à ciência tão respeitável. Mas em qualquer
papel que se proponha desempenhar põe o homem um pouco de si mesmo.
Digam
o que disserem, na própria prática da virtude o fim visado é a volúpia.
E agrada-me repetir essa palavra que pronunciam constrangidos. E, se
significa prazer supremo e extremada satisfação, melhor se deva ela à
virtude do que a qualquer outra causa, pois volúpia, robusta e viril, é a
mais seriamente voluptuosa. E deveríamos chamá-la prazer, denominação
mais feliz e mais natural, do que a de vigor que lhe damos. Quanto à
volúpia de ordem menos elevada, se acreditam que mereça igual nome, que o
mantenham, mas não com exclusividade. Mais do que a virtude, tem ela
seus inconvenientes e seus momentos difíceis; além de serem mais
efêmeras as sensações que nos procura, e mais fluidas e fugidias, tem
suas vigílias, seus jejuns, suas penas, seu suor e sangue. Paixões de
toda sorte influem nela, e redunda ela em tão pesada saciedade, que
equivale a uma penitência. É erro nosso imaginar que tais inconvenientes
a estimulam, e a condimentam, em razão dessa lei da natureza que afirma
tudo se fortalecer ante o obstáculo encontrado; e erro é também pensar
que, quando se trata de volúpia proveniente da virtude, semelhantes
dificuldades a acabrunham e a tornam austera e inacessível.
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